segunda-feira, 31 de março de 2008

Desenho

Poema que dedico à leitura do desenho de Manuela Justino:

Toda tu és o olhar do teu corpo
e esse olhar ouve saboreia toca

e quando desenhas uma mancha no papel como uma nuvem esfarrapada
é porque a tua visão tem a luz da sombra mais vidente
que dir-se-ia que vê com as pálpebras no mar nocturno de um deserto obscuro
e reúnes a sombra e a claridade como se imergisse do ouvido
Tu danças em torno de cinzas que bailam com a vertigem de uma sensação
mas também visão funda de uma água intempestiva
Tu ofereces-nos a forma mais intensa e obscura porque é a da matéria viva
És solidária da vida nascente porque te levantas no seio da ruptura
Mas eu que te digo estas palavras fascinadas quem sou eu?
Apenas uma estilha de vida no teu caminho
e tu um elemento que inunda e frutifica
Mas de algum modo tu pintas e eu escrevo sobre ti é porque há uma relação
talvez um pouco errática mas solidária e produtiva
Se te descrevo talvez com audaciosa paixão é porque
não podendo ser quem sou sou aquilo que escrevo
e sou também o que ama e tem o desejo de penetrar na obscuridade
onde aprendeste a ver o negro no negro
Tu não és tanto o dia que multiplica os espelhos como a noite que se vai abolindo
Se te escrevo com alguma justeza ou algum fulgor sombrio
é porque vejo com o sono que é a minha face feminina
e para te dizer talvez o mais importante
eu não construo conceitos de um discurso rigoroso e exacto
mas escrevo porque para mim a nudez seduz-me e no conhecimento
com o avesso de tudo como o ar é o avesso de uma asa.

António Ramos Rosa

1 comentário:

Olímpio Matos disse...

Manuela Justino
Em boa hora a sua exposição em Castelo Novo foi incluida noprogra
ma da XVII Romagem. Gostei e não resisti:vou poder olhar todos dias
um quadro da autoria da minhajóvem
vizinha dos anos 60 que se tornou uma grande pintora. Veja tb hoje o blog Memória recente e antiga por-que fala de si.Seu amigo e admira-dor O.Mendes de Matos